"I became insane, with long intervals of horrible sanity. "

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

IV

A Sra. Frances Allan, pouco antes de morrer, conseguiu com que seu marido prometesse não abandonar Poe. Uma espécie de trégua entre eles foi estabelecida, e o Sr. Allan concordou em ajudá-lo no seu desejo de ir para West Point. Foram enviadas cartas ao coronel do seu regimento e um substituto foi providenciado. Em 15 de abril de 1829, Poe dá baixa no Exército e volta para Richmond. Essa "trégua" concedida pelo Sr. Allan duraria pouco tempo. 
Em Richmond, Poe consegue numerosas cartas para o Departamento de Guerra, uma delas de seu tutor, onde ele friamente dizia: "Honestamente, senhor, declaro que ele não tem nenhum parentesco comigo.". De posse das cartas, por volta de 7 de maio, parte para Washington, onde apresentou as credenciais, dentre elas as de seus oficiais, redigidas em elevados termos, ao Secretário da Guerra, Sr. Eaton.
Por quase um ano o poeta esperou por sua nomeação para West Point. Durante boa parte desse período, Poe morou em Baltimore. O Sr. Allan  mantinha sua frieza e suas dúvidas sobre as boas intenções do poeta a respeito de West Point. De vez em quando lhe enviava pequenas quantias, o bastante para sua sobrevivência. 
Poe havia se hospedado em um hotel e lá foi roubado por um primo, o que fez com que ele procurasse a ajuda de uma tia paterna, a Sra. Mary Clemm. A partir daí, a Sra. Clemm passou a ser um verdadeiro anjo da guarda para Poe, tornando-se sua obstinada protetora. 




Mary Clemm


terça-feira, 16 de outubro de 2012

III


(...) Poe sai da casa dos Allan e vai para uma hospedaria, de onde escreveu para que lhe enviassem suas roupas e objetos pessoais. Os dois, pai e filho adotivos, chegaram a trocar muitas cartas, mas não chegaram a se reconciliar.
O poeta decide ir de navio para Boston, a então capital literária dos Estados Unidos, acompanhado de um amigo, Ebenezer Butling, que desembarca antes, em Norfolk. Ao que parece, a mulher e a cunhada do Sr. Allan mandaram secretamente um escravo entregar a ele uma pequena quantia em dinheiro, antes de sua ida. Em Boston, Poe trava conhecimento com um jovem de nome Calvino F. S. Thomas, que havia entrado há pouco tempo no negócio de impressão, e através dele consegue imprimir um livreto com o título de Tamerlão e Outros Poemas, usando o codinome de "Um Bostoniano". Como não tinha dinheiro para pagar ao impressor, a circulação do livro foi interrompida. O próprio poeta chegou a guardar apenas uns poucos volumes para si.
Boston - Século XIX
Exemplar de Tamerlão e Outros Poemas 


Totalmente sem dinheiro, Poe toma a desesperada decisão de se alistar no exército, o que ocorreu em 26 de maio de 1827, sob o nome falso de Edgar A. Perry. Foi destacado para o 1º Batalhão de Artilharia dos Estados Unidos, e passou o verão daquele ano no acampamento do Forte Independência, no Porto de Boston. No final de outubro, vai com seu regimento para o Forte Moultrie, Charleston, Carolina do Sul. Entre novembro de 1827 e dezembro de 1828, o poeta  cumpre seus deveres de soldado no Forte. Como o Forte ficava na ilha de Sullivan, na entrada do Porto, o poeta passava suas horas de lazer passeando pela praia, escrevendo poesias e lendo.
Poe exercia funções burocráticas, pois seus superiores militares logo notaram que ele se sairia melhor com essas tarefas do que com canhões. Devido às suas atribuições, mantinha estreitos contatos com seus superiores. Era diligente, sóbrio e inteligente, e logo foi promovido. Foi destacado para funções especializadas, sendo esse o primeiro passo para deixar de ser um soldado raso.



Certificado de Alistamento Militar de Poe


Mas o poeta sentiu que estava desperdiçando sua vida. Em 1828, ele volta a enviar cartas ao pai adotivo, pedindo por uma reconciliação, porém este não aceitava as tocantes e suplicantes cartas do filho, e Poe continuou em seu posto. No final  de dezembro daquele ano, Poe segue com seu regimento para o  Forte Monroe, na Virginia. 
Como seu tutor não lhe concedia permissão para voltar para casa em Richmond, ele tem a ideia de ir para a Academia Militar de West Point. Alguns dos oficiais de seu regimento, e também um certo cirurgião, se interessaram por ele e resolveram pressionar o Sr. Allan no sentido de  ajudar Poe na sua resolução. Em 1829, o jovem poeta é promovido ao mais alto posto concedido a um alistado, o de sargento-mor de seu regimento.
As cartas de Poe para casa ficaram mais insistentes e a Sra. Allan vivia rogando ao marido para que lhe deixasse ver o filho. Apesar de todas essas pressões, o Sr. Allan se mostrava irredutível.
Dois anos após Poe ter saído da casa dos Allan, a Sra. Frances Valentine Allan veio a falecer. Enquanto esteve doente, a Sra. Allan pedia para ver "o seu menino", mas o marido, embora sabendo que Poe tinha se alistado no Exército, dizia não saber onde ele  se encontrava. Quando resolveu mandar chamar o filho, que estava a poucas milhas de Richmond, já era tarde. 
A Sra. Allan faleceu antes da chegada de Poe à casa. O Sr. Allan sequer atendeu ao pedido da esposa, de que não a enterrasse antes que o filho de criação chegasse para vê-la.  Quando Poe chegou à casa, poucas horas após o enterro, a pessoa a quem ele mais amava estava em uma sepultura. Consta que a angústia do poeta diante do túmulo da mãe adotiva foi extrema.

Esses fatos afastaram definitivamente Poe de seu tutor. 






Academia Militar de West Point





                                                                         (...)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

II



As negociações do Sr. Allan em Londres não tiveram êxito. O Sr. Allan precisou, inclusive, ceder alguns bens imóveis a credores para saldar compromissos. Assim,  em 1820, a família  volta para a América, para Richmond.
Poe era muito apegado à mãe adotiva, pois a memória da mãe verdadeira era para ele muito vaga. Frances Allan e sua irmã solteira, Nancy Valentine, que morava com o casal,  eram "loucas" pelo  "seu garoto". Há indícios de que ele fora tratado com excesso de mimos pelas duas mulheres, coisa que o Sr. Allan costumava moderar com alguma severidade. Poe passou seus primeiros anos  de infância em ambientes felizes e confortáveis, teve o conforto e os estudos que as famílias ricas davam aos seus filhos. Ao que parece, era tratado pelo Sr. Allan como membro  legítimo da família, porém, há relatos de que era constantemente "lembrado" de sua condição de órfão favorecido.
Frances Kelling Valentine Allan 

Mesmo após as dificuldades financeiras pela qual passou,  a família Allan continuou a ter uma vida confortável. Poe foi enviado para uma Academia militar, frequentada pelos filhos das famílias mais ricas de Richmond. Lá, o jovem Poe se sobressaiu em línguas, oratória, representações teatrais e realizou muitos feitos em natação, chamou a atenção dos colegas mais velhos e de seus mestres por seu brilhantismo, e, apesar de reservado e distante, parece ter sido muito estimado pelos companheiros.
Sua relação com o pai adotivo, no entanto, era conturbada. Não havia compatibilidade entre eles. Há indicações de que o Sr. Allan, por sua natureza de escocês prático, tinha pouca ou nenhuma simpatia pelas ambições  literárias do seu pupilo. Ele  queria que Poe estudasse Direito e que se dedicasse aos  negócios do comércio, mas este preferiu estudar Letras e se dedicar a ler, a escrever e a uma vida sem compromissos. A Sra. Allan ficava entre eles, apaziguando as divergências. Em 1825, o Sr. Allan herda uma grande fortuna de seu tio William Galt, e a família passou a viver em sua melhor condição começando por uma casa nova, uma mansão entre as Ruas Quinta e Principal, da cidade de Richmond.
John Allan
O Sr. Allan tira Poe da Academia e o prepara para a recém aberta Universidade de Virgínia. Em fevereiro de 1826, com pouco mais de dezessete anos, Poe se matricula naquela universidade para estudar Letras.
O jovem Poe era muito brilhante nos estudos, mas uniu-se a uma rapaziada de comportamento criticável. Há algumas controvérsias sobre a situação financeira de Poe na universidade. Uma das biografias afirma que o Sr. Allan não enviava nenhum dinheiro para Poe, nem para custear seus estudos. Outra afirma que o pai adotivo  lhe enviava dinheiro, mas não o bastante para suas despesas. O fato é que a sua situação  na universidade era precária.
Nesse período, Poe contraiu muitas dívidas. Para conseguir dinheiro, Poe apostava  beneficiado pelo crédito que lhe era concedido por ser "filho" de um comerciante muito rico, mas ficava cada vez mais endividado. Foi nessa época que  começou a beber. Os efeitos de uma mínima quantidade de álcool ingerida foram devastadores para o organismo de Edgar Allan Poe e desencadeou sua dependência.
Por ocasião do Natal, voltou para casa, em Richmond. Por causa das dívidas, o pai adotivo o proibiu de voltar para a universidade. Começaram a chegar cartas de cobrança e Poe temia ser preso, porque, naquela época, dívidas não pagas levavam à prisão. O Sr. Allan insistiu para que Poe estudasse Direito e os dois acabaram tendo uma violenta discussão.  Poe foi expulso de casa.
Universidade de Virginia na época de Poe

                                                                              (...)

domingo, 11 de dezembro de 2011

Do terror na vida ao terror na obra - I



No nº 33 da Rua Hollis, em Boston, estado de Massachussetts, em 19 de janeiro de 1809, começava uma história extraordinária, nascia Edgar Allan Poe. Sua vida foi marcada por contínuos acontecimentos bastante incomuns, muitos resultantes de seu gênio criativo e temperamental.
Os pais de Poe eram David Poe e Elizabeth Arnold Poe (consta em algumas biografias que o nome era Izabel). David, nascido em Baltimore (Maryland), estudou Direito, mas abandonou o curso para seguir carreira teatral, porém, não era provido de talento. Elizabeth era viúva quando conheceu David. Filha de um casal de atores, nasceu em Londres e também era atriz, e, ao que parece, mais talentosa e carismática que David, e muito respeitada.
E foi nesse meio teatral que ambos se conheceram e vieram a se casar em 1806.
Em 1810, David Poe desaparece, deixando  Elizabeth com dois filhos pequenos, Henry e Edgar Poe, e grávida de outro, uma menina, Rosalie, que nasceria naquele mesmo ano, em Norfolk. Alguns biógrafos acreditam que David Poe falecera, outros que simplesmente abandonou a esposa.
Elizabeth Poe viveu então  entre o trabalho no teatro e a criação dos filhos. Não tendo como sustentar as três crianças, envia Henry, o filho mais velho, para viver com os avós paternos em Baltimore.
Sua situação de penúria se torna pública, o que é comprovado por um anúncio de um jornal de Norfolk que pedia ajuda para ela. Por essa época, Poe tinha dois anos de idade e Rosalie apenas alguns meses.
Elizabeth, muito doente, muda-se com os filhos para Richmond, no estado da Virgínia, e a pequena família Poe vai viver em um humilde quarto de pensão de propriedade de uma senhora, Mme. Phillips, assim descrito:  O quarto onde Elizabeth definhava era pequeno e humilde e nada havia para queimar na lareira. Naquele ano, o rio James tinha transbordado, invadindo a parte baixa de Main Street e algumas casas mais distantes; os mosquitos, portanto a malária, pululavam. Não havia outra peça a não ser uma miserável cama munida de uma enxerga, um ou dois cobertores, cedidos por Mme. Phillips, uma ou duas cadeiras velhas, e certamente havia uma caminha com rodas para as crianças. O quarto era iluminado à noite por pedaços de velas colocados em garrafas. Os objetos pessoais da atriz deviam ser os mais modestos: alguns ouropéis de teatro desbotados e sujos, únicos testemunhos de triunfos passados, uma pequena caixa em que Elizabeth guardava suas cartas, e as roupas esfarrapadas das crianças.
E foi nesse quadro de desolação e pobreza extrema que o pequeno Edgar Poe viu sua mãe definhar e morrer. Elizabeth morreu em 8 de dezembro de 1811, deixando seus filhos completamente sós e  desamparados, dependentes da caridade alheia. 
Elizabeth Arnold Poe
A morte de Elizabeth marca o fim de uma fase da vida de Poe e a partir desse momento, ele passa a transferir o amor materno para outras mulheres que surgiriam em sua vida. A irmã de Poe, Rosalie, que morreu com idade avançada em um asilo, passou a exercer uma grande influência na vida do poeta, influência essa que se refletirá em quase toda sua obra. Para Poe, Rosalie representa, há um mesmo tempo, a figura materna que ambos não tiveram e a mulher abandonada e sozinha. 
Logo após a morte da mãe, o pequeno Edgar sofre mais uma separação. Sua irmã é levada por um casal, os MacKenzie, e ele vai morar com a Sra. Frances Kelling Valentine Allan, que já o conhecia da pensão de Mme. Phillips e, não tendo filhos, levou-o para viver com ela e o marido, John Allan, em Richmond.
Separar-se da pequena irmã foi mais um grande golpe na vida do escritor que sempre pedia para vê-la.
Rosalie MacKenzieA
Em 1815, a família Allan se muda para a Inglaterra levando o pequeno Edgar, que é deixado numa escola primária de Irvine, Escócia.

                                                                                                                                                                   
(...)